ISABEL BASTOS NUNES

A Poetisa fala da sua vida e obra

Isabel Bastos Nunes nasceu em Lisboa no ano de 1948; mãe de dois filhos e avó. Estudou em Tomar, Coimbra, Lisboa e Luanda (Angola).

Na sua passagem por Angola exerceu o cargo de Professora na Escola Primária de Santo António do Zaire (norte de Angola).

No seu regresso a Portugal e depois de algum interregno, frequentou vários cursos de formação profissional e recomeçou a sua vida profissional como secretária de direção (função de tradutora e administração). Mais tarde trabalhou na “Marktest” em estudos de mercado tendo adquirido conhecimentos patra iniciar na imprensa tendo estado em várias Editoras e Revistas, entre as quais a “Visão”.

Publicou 4 livros de poesia com os títulos “Poemas por Acabar”, À procura de Mim”, “Entre Poemas as Palavras” coordenados pela “In-Finita” e o livro “3 Poetas” escrito em co-autoria com mais 2 poetas.

Foi premiada com o 3º lugar no 2º Festival de Poesia de Lisboas de 2017 com o poema “ E a fome dos homens transforma-se em perdição”. Participou em dezenas de Antologias e Terúlias, entre as quais as organizadas pela “In-Finita” no Palácio Baldaya em Lisboa e é leitora residente (com os seus poemas) na Tertúlia América Miranda no Auditório Carlos Paredes em Lisboa.

É membro da Academia Biblioteca Mundial de Letras Y Poesiana cadeira 56: patrono Camilo Castelo Branco.

Como voluntária dei aulas de Poesia, História da Literatura Portuguesa e História Cultural de Portugal na Associação “Mãosdadas Acácio Veiga”

POEMAS DE ISABEL BASTOS NUNES

E a fome dos homens…transforma-se em perdição

O desmembramento das palavras

Enviuvei-me de ti

 

Pertences a um passado

Que não se refaz

Nem se repete

Já um nevoeiro espesso te cobre

Nem em memória sequer

Eu te revivo.

 

Tudo o que fizeste

Está escrito em entrelinhas

Nas páginas do caderno que me escreveste

Ao qual arranquei as folhas

Distribuindo-as ao desbarato pelos ventos

Para desaparecerem para além da minha memória.

 

Enviuvei-me de ti

Não passas agora de um sopro

Na inequívoca pessoa

Que ainda permanece

Mas morrendo aos poucos

No meu interior

 

Já não choro

Mas mesmo assim

Neste mofo perpétuo

Que permanece em lugar algum

Cada minuto errado em que penso em ti

Me faz adiantar o relógio

Para que dentro de mim

Morras no esquecimento.

 

Enviuvei-me de ti

Aqui estou sentada

Escrevendo

Sobre a tua morte dentro de mim

Mas ainda resta um pedaço

Antes de regressar à vida

E retomar a que deixei interrompida.

 

Vou soluçar para dentro

Ver a tua sombra esfumar-se num poema

E vou permanecer lá.

 

 

Enviuvei-me de ti

Tal como um final

De uma peça de Shakespeare

Onde a tragédia se esfuma na imensa pauta do tempo

E as tuas palavras

Não se repetirão nesta sala onde te escrevo.

 

Enviuvei-me de ti

Na grande mentira da tua existência.

Da Terra nasce a vida, mas eles já estão mortos…

 

E quando o dia nasce

A lua parte, o sol desponta

Da terra nasce a vida

Mas eles já estão mortos.

 

E na podridão da droga

Massacrando os corpos vencidos,

Eles correm para a morte

E deixam os corpos estendidos.

 

E da terra brota a vida

Mas eles já estão mortos.

 

E fazem das ruas sepulturas

Escondendo-se nos vãos das portas,

Embrulhados em mantas fétidas e pútridas

Num silêncio gélido de figuras mortas.

 

Mas se da terra nasce a vida

No chão eles já estão mortos.

 

E nos olhos retiveram a última imagem

De uma seringa gasta e podre

E, injectando o pobre corpo exangue,

Partem sem saber, para uma última viagem.

 

Mas eles já estavam mortos para a vida.

 

E quando a noite cai

E os corpos começam a cair,

Muitos deles, em imagens hediondas

Parecem ao longe estar a sorrir.

 

E, sozinhos morrem apodrecendo

Sem ninguém se importar

Até que os venham buscar.

 

E o carro da morte, demora a passar

 

E então,

Então já não nasce vida na terra,

Porque todos eles estão mortos para ela.

Vesti-me de fado e fui visitar Lisboa

Nos Fados cantados por Amália…

 

Andei pelo Bairro Alto

Alfama e Madragoa

Depois visitei o Castelo

E perdi-me por Lisboa

 

Encontrei a “Júlia Florista”

Na “Rua do Capelão”

Fui com ela à “Tendinha”

Cantar a “Maldição”

 

E nesses “Caminhos de Deus”

“Acho Inúteis as Palavras”

“Fado Meu” “Fado meu”

“Meia-noite uma Guitarra”.

 

“Há festa na Mouraria”

“Dá-me o Braço Anda Daí”

Tu és “Cabeça de Vento”

Vai bem pra “Longe Daqui”.

 

Pareces “Uma Andorinha”

Vestida de preto e branco

És “Lisboa és Menina”

“És solidão” e és pranto.

 

“Estranha Forma de Vida”

Tem este meu coração

Enquanto “Lavavas no Rio”

Ai “Perdigão” “Perdigão”

 

Pediste à “Padroeira”

Que “Te desse Nome de Rua”

Para veres à janela

“A Mulher Que Já Foi Tua”

 

 “O Fado Chora-se Bem”

Quando ele é bem cantado

“Andam Aves Agoirentas”

Voando de “Olhos Fechados”.

 

E “Quando A Noite Vem”

“O Rapaz da Camisola Verde”

Diz adeus ao fado

Cantados naquelas tabernas

Que só Lisboa tem.

 

“Erros Meus Má Fortuna Amor Ardente”

Cantaste em versos de Camões

Foste Mulher, Diva, Amante

Viverás sempre nos nossos corações.

(Tributo a Natália Correia)

 

A Diva do Botequim

 

Num obstinado e mítico desejo

Das minhas recordações

Entrei devagarinho

Na memória do reino

Da Diva do Botequim.

 

Tudo estava enevoado

Cheirando a vinho e a tabaco

Restos de poemas e afins

Violas e cantores

Nas mesas espalhadas em redor

 

Ao centro

A mesa da bela e majestosa

Diva do Botequim.

 

Entre nuvens de fumo

Saído de uma boquilha de marfim

Um poema era recriado e aplaudido

Mesmo sem chegar ao fim.

 

Poetas e tocadores de violas

Mais alguns apaixonados

Esperavam submissos as suas ordens

Como quem espera o dia que já passou.

 

O rumor ia cedendo ao barulho

Das vozes que a noite agasalhava

E as suas roucas gargalhadas

Eram como notas desafinadas

Já bebidas em whisky

Misturadas com vinho.

 

Cantava-se o fado

Baladas

Diziam-se poemas

Erguiam-se as vozes

Tantas vezes caladas

E que só ali eram ouvidas.

 

Havia madrugadas

Em que a noite era pequena

Passava-se a mão pela cara

Penteava-se o cabelo

E saía-se para o trabalho.

 

Não raras vezes

A Diva do Botequim

Ali ficava

Acompanhada por aqueles

A que ela tanto amava.

No silêncio do amor

 

Deixa que a noite venha devagarinho e abraça-me.

 

Abraça-me como se fosse pétala de flor que não quisesses magoar.

Deixa que o silêncio da noite nos traga o seu murmurar

Quando parecendo dizer baixinho:

Deixem-se amar.

 

Passa os teus dedos devagarinho pelo meu corpo

Desenhando cada curva do meu rosto

Das minhas ancas.

 

Faz renascer de novo esse amor

Que só em poemas tu me escreveste.

 

Põe música no teu olhar

Beijos na tua boca 

Aperta-me devagar.

 

Sai dessa rotina que nos deixa tão frios,

E quebra o tempo

Como se quebrasses um relógio

Não querendo saber demais nada senão amar-me.

 

Não ponhas limites nesse amor.

 

Que apenas fique o meu desejo e o teu

 Não há nem horas nem minutos para contar.

 

Deixa que a minha pele se junte á tua

Que o calor do meu corpo seja a poesia recitada pelas tuas mãos.

 

Toca-me este corpo que tão bem conheces

Faz-me vibrar naqueles pontos tão desvendados por ti

Quando em loucas noites de amor o orgasmo nos unia

E aí sim,

Tu fazias poesia dentro mim.

 

E depois amor…

 

Depois desse amor põe magia nos nossos silêncios

Em versos cheios de beijos e carícias

Que já saciadas

Sustentam a confirmação indecisa dos nossos desejos.