JOSÉ ANTÓNIO CHOCOLATE
José – António Chocolate, economista, 64 anos, nasceu em Santa Eulália, Elvas. Vive em Setúbal. Muito jovem começou a publicar poemas em jornais e revistas. Foi o principal dinamizador do GPES – Grupo de Poetas e Escritores Setubalenses (1984- 1991). É membro da Sociedade Portuguesa de Autores, da APEL e da Associação “Casa da Poesia” de Setúbal. Colabora em jornais e revistas regionais, na publicação de livros de outros autores, incluindo algumas Notas de Apresentação e Prefácios. Tem integrado o Júri de Prémios de Poesia (entre os quais de Bocage e de Sebastião da Gama).
Entre as suas publicações de poesia, contam-se:
Com o nome de Chocolate Contradanças: –Ninfite – Mal de Poeta – Setúbal, 1981 (esgotado); – Gente Sem Resposta – Setúbal, 1983 (esgotado);
Com o nome de José – António Chocolate: –Mel de Amoras – ER – Heptágono, Lisboa 1986 (esgotado); –Metamorfoses do Silêncio – Setúbal, 1990 (esgotado); –Caminhos do Silêncio – Setúbal, 2000 – 1ª edição (esgotado) e 2ª edição; –Íntimos Afectos – Casa da Poesia, Setúbal, 2006 – 1ª edição (esgotado) e 2ª edição; –Escrito(s) no Ar – Casa da Poesia, Setúbal, 2009; –Todos os Afectos (30 anos de poesia/Antologia) – Estuário/Poesia, Lisboa, 2012; –Este Tempo que nos Come – Estuário, Lisboa, 2014; -Moinante de Silêncios e de Afetos – Estuário, Lisboa, 2016; –Santa Eulália, flor do Alto Alentejo – aldeia de memórias e de afetos – Grafe, Lisboa 2018; – A Voz das Palavras – Filigrana Editora, Fevereiro 2020.
Participação em publicações coletivas: – A Outros Companheiros Sem Idade – GSAL, Lisboa 1984 (esgotado); – Fingidor 3 – MIC, colecção Salamandra/6, São João do Estoril, 1984; – Traços da Memória – Casa da Poesia, Setúbal 2003; – 28 Poetas Sadinos – Retrato e comentário/A poesia de agora – Casa da Poesia, Setúbal 2004; – 25 de Abril/30 anos, 30 poemas – Câmara Municipal de Setúbal, 2004; – Antologia de Poetas Portugueses “In Versos” – Edições Ecopy – Porto, 2011; – Portalegre em Momentos de Poesia – Antologia – 40 autores – Colibri, Lisboa 2011; – Alentejo em Poesia – 12 autores – Colibri, Lisboa 2012; – Nova Antologia de Poetas Alentejanos – Colibri, Lisboa, 2012; – 25 de Abril/40 anos, 40 poemas – Associação Casa da Poesia de Setúbal, 2014; Paradigma(s) – Coletânea de Poesia e Texto Poético da Lusofonia – Colibri, Lisboa, 2016; – XVIII Encuentro de Poetas en Red – Antologia Poética – Badajoz, 2018; – Direitos Humanos – Um sublime poema à vida – 28 Autores em Antologia – Associação Casa da Poesia de Setúbal/Cáritas Diocesana de Setúbal – Setúbal, 2018; – 2ª Antologia da Casa da Poesia – Homenagem a António Maria Eusébio, O Calafate, nos 200 anos do seu nascimento – Associação Casa da Poesia de Setúbal – Setúbal, 2019.
A magia da palavra
Procuro a magia da palavra que acalma,
desfaz os sons cinzentos trepidantes.
E todo o silêncio me leva
baloiçando na folha que se desprende
e cai, levemente, na calçada.
Um pincel e tinta tivesse e a mão
mestra a suave cor certa não falhasse.
E a palavra em movimento toda floria,
alegre e viva, a dar vida ao que fenece.
Como pode a palavra ser amiga e companheira
feita à medida desta solidão?
Solidão que se rende a si própria e se nega,
que quer ser folha e aguarela
ou quem sabe tão só ser a palavra
que desfeita, desperta e se refaz nela.
in “A voz das palavras”
Uma letra chegaria para caber todo o universo
Podia ser só um verso, uma só palavra.
Convenço-me uma letra chegaria
para caber todo o universo.
Mais para dizer, não te dizia.
Há coisas que não são coisas:
assim como um sorriso,
uma carícia pousada devagar,
como letras que são pétalas
das palavras que teimamos em guardar.
Letras, palavras, coisas…
uma mão se estende num gesto, sentimento.
Fica a surpresa de nós mesmos.
E já não é mão, é pensamento.
In “A voz das palavras”
O tempo que transforma
Cada vez mais o tempo m’enlaça e me toma,
sua cadência me traz a mão amiga e serena
como um novo dia que é luz que se assoma
e a esperança transforma, mesmo pequena.
Para quem, como eu, a vida viveu bastante,
já quis mudar o tempo e a sua dimensão,
mesmo a maldade se torna reconfortante
sabendo que um momento é só ocasião.
Sei bem que é preciso contar cada segundo
e qualquer lugar ser feito do imenso mundo
que um homem virtuoso a bem possa transformar.
Esta raiz antiga fincada em chão profundo
esta seiva e sangue que nos irá alimentar
no saber que sabe que o tempo não pode parar.
Santiago do Cacém, 28 de Janeiro de 2013
in “Este tempo que nos come”
Dizem ser Natal as luzes da cidade,
fóruns e centros comerciais apinhados de gente,
as montras desafiando o apetite das coisas,
o rodopiar frenético, o andar apressado,
o receio que acabe o produto procurado.
Temos um mundo oferecido a todos os bolsos,
mesmo a dívida certa é para esquecer.
A banca vive sorvendo o nosso salário,
Jesus esquecido está no sacrário,
é Natal e o menino está para nascer.
O dinheiro e as coisas, os olhos e a cobiça,
tudo que julgamos à vida dar razão.
Vamos perdendo o calor, a chama qu’atiça
o sentimento a morar no nosso coração.
E do Natal só nos resta o inverno,
o céu é miragem antiga de catecismo.
Fazemos deste tempo a celebração de Jesus,
com roupas de marca, não em palhas deitado.
Temos a mesa farta em desperdício,
sem consciência, sem pecado que leve ao inferno,
guiados pelo hábito, em nós já um vício,
sem lembrar os pobres famintos que nada têm,
na rua dormindo ao temporal inclemente,
o Salvador esperando em seu ar cansado.
É Natal e já não nasce ninguém
que venha salvar o mundo.
Precisamos dum Deus que devolva a certeza
de que tudo que somos vem da mãe Natureza.
Um Deus que ensine os outros olhar sem desdém,
num abraço com verdade e amor profundo.
Sines, 19 de dezembro de 2019
. ouvindo uma poderosa interpretação de
Nessun Dorma (“Que ninguém durma”)
a famosa ária da ópera Turandot de Giacomo Puccini
Vem de dentro como um trovão
voz poderosa, ressonante a despertar
o vigor de cada braço, cada mão
a suster cada dia, incessante a renovar.
Chega a nós no eco mais profundo,
as lágrimas são sinal de quem a sente,
somos nós essa parte desse mundo,
cada um sendo fraco a ficar valente.
Que ninguém durma é chamamento,
estar desperto renegando a margem,
toda a força rebuscar neste momento,
espadeirar a intrépida voragem.
E que a semente cresça bem por dentro
se torne caule ereto a resistir com coragem.
Setúbal, 3 de fevereiro de 2021
Entretenimento ao jantar
Démodé, assim parecia
entre trajes descuidados,
que nela tudo fazia
diferença entre os sentados.
Elegante, pescoço subido,
toda de bronze tratada,
estilo française, educada,
a mão se pondo pousada,
o olhar alto e distinto.
Não tem IPhone sobre a mesa,
toda está na ocasião,
o gesto faz com leveza,
com aprumo e perfeição.
Parece fora de moda,
Nada lhe falta e se sobra,
é o ar com distinção.
No vagar da refeição,
no brilho do seu olhar,
eleva o copo a brindar
num jogo de sedução.
Com apreço bebe o vinho,
para o repasto demorar
não resiste a debicar
um digestivo escolhido
que lhe rasga o sorriso
e o faz tremelicar.
Sobressai o porte altivo,
queixo fino e levantado,
que mais parece um aviso
neste ambiente colocado.
Tempo que não é presente,
impróprio se calculado,
não tem medida e ausente
leva ao século passado.
Mas deveras que gostei,
discreto observar
tudo certo e comandado.
Só me parece e não sei
se só estive neste jantar
ou com os da mesa ao lado.
Restaurante Pompílio – S. Vicente, 11 de maio de 2019